terça-feira, 18 de maio de 2010

9) - O Amor Terapêutico (Final)


"... a minha arte é 'tocar' as pessoas. Tocar pela palavra, gesto, afeto, expressão, olhar, movimentos, etc., nos seus pontos sensíveis, adormecidos, cristalizados, encantados. Eu consigo 'tocar' quando fui ou estou sendo 'tocado' por essa mesma pessoa".

{Abel Guedes - Psicoterapeuta}


Esta é a minha ultima postagem desta série de nove postagens sobre o resgate da possibilidade amorosa. Não será a ultima postagem sobre psicologia já que eu gosto muito desde assunto, apenas a ultima postagem desta série de postagens.

Nesta postagem vamos fazer uma reflexão sobre a manifestação amorosa do terapeuta pelo cliente, a que é denominada "amor terapêutico".

Nesse tipo de relação o amor pode acontecer, e se manifesta com características diferenciadas. Diferente do amor por si mesmo, amor fraterno, amor materno, amor erótico e amor romântico ou paixão.

As atitudes amorosas do terapeuta facilitam o desenvolvimento do potencial de amor do cliente; obviamente devem ser a base para o trabalho psicoterapêutico, que envolve conhecimentos teóricos, filosóficos e técnicos, e sem os quais a relação terapêutica seria descaracterizada.

O amor no sentido de um estado e modo de ser, "acontece" no encontro com os clientes. É óbvio que os terapêutas não se sentem amorosos em todas as sessões, e nem em todos os momentos, pois como ser humano não é sempre que esta plenamente disponível, equilibrado, ou mesmo, integrado inteiramente. Porém, o fenômeno do amor deve ocorrer para que a relação tenha realmente natureza terapêutica.

Não quero dizer com isso que, para um psicoterapeuta, basta estar em estado de amor para realizar um bom trabalho. Os requisitos profissionais são essenciais para poder auxiliar o outro que nos procura; mas se o terapeuta é incapaz de manifestar-se amorosamente em relação a seus clientes, questiono sua capacidade de "vê-los".

A relação terapêutica possui conhecidas características que a diferenciam das demais relações humanas, extensamente estudadas nas teorias da prática psicoterápica. O amor terapêutico é mais um dos aspectos que distinguem essa forma de encontro de tantas outras.

O amor terapêutico pode se manifestar não só na relação psicoterapeuta-cliente; um médico, um fisioterapeuta, um fonoaudiólogo, um terapeuta ocupacional também podem manifestar-se amorosos na relação com seus pacientes; certamente, suas atitudes amorosas facilitarão o processo de cura, de recuperação ou de reabilitação dos mesmos, uma vez que a saúde é muito mais do que a ausência de doenças, mas um estado de integração do indivíduo.

É através do estado de ser amoroso que o terapeuta cria condições para que o cliente possa ouvir, ver compreender, aceitar e amar a si mesmo. O amor só pode ser recebido pelo cliente se ele próprio estiver en estado amoroso; o amor do terapeuta cria a oportunidade para que o potencial de amor do cliente possa ser ativado por ele mesmo.

O amor terapêutico manifesta-se através de um estado e um modo de ser caracterizados pela integração e diferenciação da personalidade que permite ao terapeuta aceitar e encontrar o cliente como um ser único, diferenciado, e semelhante na sua condição de humano. O amor terapêutico envolve a ausência de necessidades do terapeuta em relação ao cliente, ou seja, este não pode "funcionar" como o objeto de satisfação das necessidades do terapeuta como aceitação, valorização, confirmação e amor. O terapeuta em estado de amor é capaz de se auto-sustentar na relação com o cliente.

Coloca-se a serviço dele e se dispões a funcionar como instrumento para seu crescimento pessoal. A atitude terapêutica envolve entrega, despojamento e a capacidade do terapeuta de colocar o próprio mundo, sua história, seus sentimentos e conhecimentos, suas emoções e experiências e até os próprios sofrimentos entre parênteses, a menos que seja a serviços do cliente.

O amor terapêutico é incondicional, o que não significa que não existam regras, limites, normas e condições para que a relação terapêutica aconteça. Essa relação pressupõe um contrato profissional entre cliente e terapeuta, com papéis definidos e fixos, mas isso não impede o estabelecimento de um vínculo afetivo e amoroso, que permita o acontecimento do encontro entre dois seres humanos.

O amor terapêutico envolve a aceitação e a confirmação do cliente tal como ele é, o que significa validar as necessidades, os desejos, os sentimentos, as crenças, os valores, os conflitos, as dificuldades, enfim, a existência do outro. A confirmação inclui a possibilidade de discordar do cliente, negar satisfações e até "frustar" manipulações e jogos de controle; confirmar e amar incondicionalmente implica também o estabelecimento de limites entre si mesmo e o cliente, e na capacidade do terapeuta de colocar-se como um ser humano merecedor de respeito.

No início da terapia, a possibilidade de se estabelecer uma relação terapêutica acontece pela capacidade do terapeuta de amar fraternalmente, pois o cliente é a princípio um ser desconhecido e o vínculo afetivo ainda não foi criado.

O amor é "terapêutico" por natureza. Um indivíduo em estado de amor, seja fraterno, materno, erótico, romântico ou terapêutico favorece o crescimento das pessoas com as quais se relaciona, pois as coloca diante delas mesmas, ainda que se utilizem de mecanismos que dificultem o próprio crescimento.

As atitudes amorosas do terapeuta favorecem o contato do cliente com o "desamor" próprio, uma vez que através da relação terapêutica ele poderá perceber que, apesar de ser aceito, valorizado, respeitado e amado, ainda assim ele rejeita, desvaloriza, desrespeita e deixa de amar a si mesmo.

O cliente que não ama a si mesmo envolve-se em relações não amorosas, pois nesse caso relacionar-se com o outro amoroso significa perceber-se e depar-se com as próprias dificuldades. O indivíduo amoroso não estabelece jogos manipulativos, nem cristaliza-se no desempenho de papéis rígidos, ou absorve projeções advindas do parceiro. Relacionar-se com uma pessoas verdadeiramente amorosa é como estar diante de um espelho e ver refletida a própria imagem, seja ela bela ou defeituosa. E este é um dos aspectos essenciais da relação terapêutica: o terapeuta amoroso confirma as necessidades do cliente e o eceita tal como é, mas sem contracontrolar ou manipular, sem seduzir sem deixar-se seduzir, sem incorporar projeções ou buscar onipotentemente satisfazer o cliente e "salvá-lo" das próprias dificuldades. Ele se oferece como instrumento para que o cliente experimente com segurança todo sofrimento auto-imposto, e a partir da constatação profunda de seus modos de existir, possa confirmar-se e compreender-se para ser capaz de amar a si mesmo.

O terapêuta amoroso não só funciona como "espelho" dos aspectos conflitantes ou destrutivos do cliente. Obviamente, reflete suas capacidades e potencialidades, como também com a própria beleza, seus aspectos construtivos, belos e únicos, sua singularidade. O cliente que não se vê, não deixa apenas de deparar-se com os medos e as dificuldades, como também com a própria beleza, seus aspectos positivos e criativos, suas capacidades e habilidades, enfim, com a própria individualidade.

A atitude amorosa do terapeuta permite que o cliente passe a questionar o "mito do amor condicional", ou seja, as crenças, os valores e as atitudes, nos relacionamentos afetivos, baseadas na crença maior de que o amor só pode ser vivido sob certas condições.

Possibilita também que o cliente experimente um nova maneira de relacionar-se, na qual a aceitação, o respeito, a consideração, os limites, a responsabilidade, o compartilhar e o amor estão presentes.

Assim, ao oferecer um clima de segurança, o terapeuta possibilita ao cliente experimentar a vulnerabilidade, as necessidades, os sentimentos próprios e também, o amor. O cliente pode ser aceito, respeitado, valorizado e amado e, progressivamente, recuperar a aceitação de si mesmo, desemvolvendo sua capacidade para amar.

Através da relação terapêutica, o cliente pode encontrar novas alternativas para relacionar-se amorosamente e "descobrir" que é possível:


- Duas pessoas relacionarem-se amorosamente, apesar de serem diferentes.

- Respeitar e preservar a própria individualidade na construção e no crescimento de um relacionamento.

- Duas pessoas confiarem uma na outra e manterem o respeito mutuo.

- Entregar-se, sem que isso signifique submissão ao outro, e sim a possibilidade de encontrá-lo.

- Ser livre e envolver-se com profundidade.

- Falhar, cometer enganos, e ainda assim, ser amado.

- Ser o que se é, sendo acieto e valorizado.

- Receber amor e nao ser cobrado.

- Ser amado e não ter quje corresponder às expectativas do outro.

- Amar e ser amado sem sofrimento.

- Expressar-se e nao sentir-se enfraquecido ou inferiorizado.

- Sentir-se digno de ser amado.

- Amar a si mesmo e ao outro.

- Descobrir e aprender sempre algo novo no relacionamento.

- Separar-se, diferenciar-se e continuar amando e sendo amado.


Na relação terapêutica, o cliente pode também se permitir expressar com espontaneidade sentimentos como carinho, gratidão, respeito e amor pelo terapeuta. Não me refiro aqui aos mecanismos tranferenciais, ou ao "amor" tranferencial, certamente presente em qualquer relação terapêutica. Independentemente dos processos de transferência, existem momentos ao longo do processo terapêutico em que o cliente pode genuinamente experimentar o amor por si mesmo, e compartilhá-lo com o terapeuta. É claro que isso não ocorre com todos.

Os momentos nos quais um cliente começa a experimentar o amor por si mesmo nem sempre são alegres e agradáveis. O amor por si mesmo pode acontecer até em situações em que o cliente se permite sentir e expressar suas dores mais profundas, com aceitação e espontaneidade.

O terapeuta deve saber discriminar as ocorrências tranferenciais das manifestações amorosas do cliente, compartilhando-as e confirmando-as. Há momentos raros e belos de encontro entre terapeuta e cliente. Podem ocorrer durante ou no final do processo terapêutico, e significam que o processo de restauração do cliente esta em andamento.

Na relação terapêutica o encontro pode ocorrer quando o cliente e terapeuta se manifestam amorosos, é entao que o amor ocorre entre os dois. Não há um amor "doado" ou "recebido", mas sim, um amor compartilhado.

Assim termina a minha série de nove postagens sobre este assunto.


Bibliografia:
Mais uma vez, recomendo para os que querem se aprofundar no assunto o livro "O Amor na Relação Terapêutica - Uma visão gestáltica" de Beatriz Helena Paranhos Cardella.

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